A AMPEP (Associação do Ministério Público do Pará) aderiu ao
movimento nacional do Ministério Público de combate à aprovação do Projeto de
Emenda Constitucional nº 37 que tem por fim acabar com o poder investigatório
criminal.
Visando mobilizar a sociedade paraense, foi realizado no dia
13 de abril, no auditório do Edifício Sede do Ministério Público do Estado do
Pará, uma audiência pública com a presença de várias autoridades, presidentes
de entidades de classes, sociedade civil organizada e principalmente cidadãos.
O objeto da discussão repercutiu precisamente em expor o
absurdo na tramitação do projeto de emenda constitucional que exterminará, se
aprovado, a possibilidade do Ministério Público realizar investigação criminal.
Passaremos nas linhas posteriores a objetivamente nos
posicionarmos a respeito do tema.
Entendemos que retirar o poder investigatório criminal do
Ministério Público representará um retrocesso para o Estado Democrático de Direito,
inaugurado com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (art.
1, caput). O parquet dentre as várias
atribuições outorgadas pela Constituição Federal realiza o controle da
atividade policial (art. 129, VII) e tal prerrogativa, por si só, já é capaz de
ilidir qualquer argumento da impossibilidade de se realizar investigação. Ora,
como é conhecido o jargão hermenêutico jurídico “quem pode o mais, pode o
menos”, não há razão de ser para tal privatização da investigação. No mesmo
sentido, o Ministério Público pode requisitar diligências investigatórias e a
instauração de inquérito policial (art. 129, VIII) e mais, o Supremo Tribunal
Federal vez por outra já se manifestou na possibilidade de investigação pelo
MP.
Além disso, necessário se faz refletir sobre o momento
histórico pelo qual a sociedade brasileira vem passando. O Estado Brasileiro,
principalmente no alinhar de suas instituições, vem tomando dimensão precisa do
“recado” dado pelo Constituinte de 1988, naquele ponto dos direitos fundamentais,
ou seja, começa a ser assimilado pelos atores da Constituição Federal a ideia
de geração de direito. O Estado precisa efetivá-los, pois já estão proclamados.
Noberto Bobbio já afirmava isso. Logo a efetivação dos direitos fundamentais
relaciona-se diretamente com a possibilidade do Ministério Público investigar,
pelo menos daí extrai-se essa conclusão.
Fazendo-se uma breve digressão sobre essa geração de direitos
apresentada pelo renomado Professor Paulo Bonavides, temos a partir do
constitucionalismo a ideia de geração de direitos e limitação do poder. Em
síntese muito apertada, a 1ª Geração é marcada pela proteção do valor
liberdade. Nessa fase, pós Revolução Francesa havia a necessidade de se
proteger os direitos da burguesia recém saída do Estado Absolutista. Evoluindo
no tema, a partir do Constitucionalismo Moderno ou Social, que é o período que
vai da I Guerra Mundial até a II Guerra havia uma preocupação de se atender as
necessidades sociais, portanto, o valor igualdade neste momento foi
supervalorizado. Seria a proteção de uma igualdade substancial e não apenas
formal. Já a partir do Constitucionalismo Contemporâneo, pós fim da II Guerra
Mundial inicia-se uma corrente filosófica do direito chamada de
pós-positivismo. Nesta fase, não há somente a preocupação com o aspecto formal,
científico do direito, mas também se preocupa com o aspecto material, ou seja,
com o conteúdo do direito. Diante desse contexto a dignidade da pessoa humana
desponta como vetor máximo do Constitucionalismo, dos direitos fundamentais e
do Estado Constitucional Democrático. O filósofo Radbruch já afirmava: “o direito extremamente injusto não pode ser
considerado direito”. Nesta fase surge os chamados direitos de terceira
geração, surgindo neste momento os direitos fundamentais inclusive de proteção
dos direitos difusos e coletivos.
Pois bem. A partir da visão teórica da geração de direitos, expliquemos
melhor a relação existente entre a PEC nº 37 e os direitos fundamentais. O art.
5, caput da Constituição de 1988 traz uma essência de direitos que precisam ser implementados, efetivados. Direito a vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, sem falar em vários outros
contidos no Capítulo dos Direitos Fundamentais como, por exemplo, saúde,
educação, lazer, moradia, alimentação, enfim, um rol para uma vida digna. Dessa
forma, questiona-se: como o Estado poderá garantir uma gama de direitos se a
corrupção gangrena a sua implementação? Como o Estado pode garantir tais
direitos se a polícia judiciária é vinculada ao Poder Executivo? Como o Estado
pode garantir tais direitos se o próprio Estado Brasileiro ataca só a
consequência e não a causa dos problemas? Ou seja, como poderão ser implementados
tais direitos se um Órgão Independente como o Ministério Público não investigar
determinados temas que atingem a essência desses direitos?
Tais questionamentos ferem de morte a mal intencionada
proposição do Projeto de Emenda Constitucional que visa à instalação do caos
social!
É pacífico como bem destacado no filme “Trope de Elite II”
que o inimigo não é mais o meliante que pratica o 157; o 155; o famoso 33 da
lei de tráfico ou o art. 302 do CTB. Não... O inimigo do Estado Brasileiro hoje
é aquele que retira oportunidades de uma vida digna (democracia sob o aspecto
substancial, fruição dos direitos fundamentais por todos).
Ou seja, é aquele que retira da saúde, da educação, da
segurança, enfim, é aquele que sangra os cofres públicos do Estado Brasileiro
correndo os interesses difusos. Dessa forma, projetando-se à atenção para essa
pessoa que surrupia os cofres públicos, verifica-se uma envergadura muito mais
devastadora nas práticas de tais condutas que subsumem-se a determinados tipos
penais que partem de um gênero: a corrupção.
Portanto, é neste foco que o Ministério Público tem tocado.
De modo incipiente ainda, mas o parquet
já começou a dar mostras do que é capaz: combater profissionalmente e de modo
independente a corrupção, situação está que teve o auge midiático com a famosa
Ação Penal nº 470, denominada como processo do “Mensalão”.
Logo a proposição do Projeto de Emenda Constitucional nº 37 é
casuístico, pois o corrupto, começou a ficar preocupado pois “esse negócio” do
Ministério Público investigar não é interessante para a manutenção das regras
do jogo político, que desembocam quase sempre em histórias de superfaturamento
de obras públicas, fraude em licitações, CAIXA II para financiamento de
campanha e outros artifícios utilizados para desviar recursos públicos.
Na verdade a PEC 37 revela a ousadia do corrupto e
principalmente na crônica crise que o sistema representativo encontra-se hoje.
Ora, se o fundamento de validade das proposições contidas no Congresso Nacional
encontram seu respaldo no desejo social, como explicar a tramitação da PEC 37
se a sociedade não quer a inviabilização do Poder Investigatório Criminal?
Resta só uma única conclusão: a proposição é casuísta para defender interesses
próprios, principalmente naqueles voltados para a perpetuação da corrupção e
consolidação do caos social!
Diante disso, acredito um dia ver pela televisão,
principalmente nesses programas televisivos de polícia, “cidade contra o
crime”; “cidade em alerta” e tantos outros, informações do tipo: é presa a
quadrilha que desviava merenda escolar... é preso o prefeito que superfaturava
obras públicas... é preso o Governador que fazia CAIXA II para financiamento de
campanha... é desmantelada a quadrilha que desviava recursos na assembleia
legislativa, ou seja, ver a imprensa noticiando incessantemente esse grande
algoz da vida social: o corrupto. Já vemos isso na mídia, mas considero ainda
uma reportagem ainda muito incipiente se comparado com a quantidade de casos que
verificam-se no país.
A sociedade, principalmente a classe pensante neste país não
aceita mais a corrupção. Chega! Precisamos de pessoas sérias, probas, honestas,
que saibam aplicar corretamente o sagrado recurso público que advém de uma
pesadíssima carga tributária. Sendo assim, somente um Órgão Independente, com
princípios e garantias próprias como o Ministério Público será capaz de
combater a causa dos problemas sociais: o desvio de recurso público.
Portanto, já foi dado o primeiro passo. O Brasil pode
assistir de camarote a derrocada de uma quadrilha especializada em desviar
recursos públicos e essa plateia só pode assistir esse show graças ao Poder
Investigatório de um Órgão poderoso na proteção dos direitos fundamentais: O
Ministério Público.
Dessa forma, a PEC n. 37, representa na verdade, a audácia de
um determinado grupo que começou a se sentir ameaçado, pois nunca na história
brasileira se viu pessoas importantes serem condenadas pela prática de crimes
contra à administração pública como se viu na Ação Penal nº 470, então: se o
Ministério Público conseguiu investigar e provar a participação de José Dirceu
em um esquema de corrupção nunca antes visto na história política do país o que
dirá de um gestor que esteja abaixo do posto que ocupou José Dirceu.
Assim, não a PEC n. 37, não a perpetuação da corrupção, não a
instalação do caos social no país!
Hugo Sanches da Silva Picanço
Bacharel em Direito pela UNAMA – 2005;
Pós – Graduado em Tutela dos Interesses Difusos e
Coletivas – 2007 (LFG/UNAMA);
Presidente da ASMIP
Servidor Público do Ministério Público do Estado do
Pará.
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